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Etologia da reprodução e cuidados parentais nos peixes ósseos: Contributos para uma abordagem filogenética e ecológica

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Abstract(s)

A presente Tese aborda a filogenia e ecologia dos padrões de cuidados parentais nos peixes ósseos. Com base na informação disponível na literatura, procedeu-se à inventariação da distribuição dos diferentes padrões de cuidados parentais, ao nível das famílias e das ordens desta classe. Recorreu-se ao esquema de classificação de Nelson (1984). Para a análise filogenética, as relações das distribuições das diferentes formas de cuidados parentais, foram estudadas ao nível das famílias e das ordens. Ao nível das famílias, foram comparadas as frequências observadas, de diferentes associações de tipos de cuidados, com as frequências esperadas, com base num modelo aleatório. Foram igualmente comparadas entre si, as frequências observadas de diferentes associações, com vista a identificar aquelas que se destacam pela sua especial incidência. Recorreu-se à análise de resíduos com base em tabelas de contingência, em que se compararam as frequências observadas das diferentes combinações possíveis de cuidados parentais, na mesma família, com as frequências esperadas se as associações se produzissem ao acaso. Completou-se a investigação ao nível das ordens, com base na análise das correlações das frequências de ocorrência das diferentes formas de cuidados parentais, no conjunto das ordens, com base em provas não paramétricas. Para uma avaliação global da matriz de correlações submeteu-se os dados a uma análise factorial do tipo r. No que se refere à distribuição ecológica e recorrendo ao mesmo inventário taxonómico da distribuição dos cuidados parentais, comparou-se a distribuição das ocorrências de cada tipo de cuidado parental, em ambientes marinhos e de água doce e em condições de alta e baixa latitude. RESULTADOS Análise filogenética 1. A distribuição taxonómica das associações dos diferentes padrões de cuidados parentais diferem significativamente do que seria de esperar com base num modelo aleatório. 2. Na classe Osteichthyes, as diferentes formas de cuidado parental emergiram recorrentemente na evolução em linhagens distintas, não existindo, portanto, uma origem evolutiva única para cada forma de cuidado. 3. A análise dos múltiplos episódios recorrentes que originaram as diferentes formas de cuidados, mostra que a possibilidade de emergência de determinado padrão é claramente afectada pelos padrões pré-existentes de cuidado, podendo-se portanto afirmar que cada transformação evolutiva é condicionada pelos comportamentos anteriormente existentes em cada linhagem. 4. A partir de formas sem cuidados emergiram, em várias linhagens, formas com guarda de ovos pelo macho, sendo esta a transição que mais frequentemente se repetiu na evolução dos cuidados parentais, nesta classe. Em algumas linhagens, no entanto, a partir de formas sem cuidados emergiram formas com guarda de ovos pela fêmea. 5. A partir de formas com guarda de ovos pelo macho originaram-se, repetidamente, formas com guarda de ovos e larvas pelo macho. 6. A guarda de ovos biparental parece ter surgido na maioria dos casos da associação de uma fêmea ao macho que guarda; no entanto, não são de excluir outras origens, nomeadamente, pela associação de um macho a uma fêmea que guarda e pela emergência de cuidados parentais em linhagens em que a monogamia era pré-existente. 7. A guarda de ovo e larvas biparental pode ter surgido, tanto pela associação de um parceiro a um progenitor que já praticava este tipo de cuidado, como pela emergência da cuidados com as larvas, em linhagens em que a guarda de ovos biparental pré-existia. 8. A incubação oral pelo macho surgiu recorrentemente, tanto a partir de formas em que pré-existia guarda de ovos pelo macho, como a partir de formas em que a condição anterior era a guarda de ovos e larvas pelo macho ou biparental. 9. As formas de transporte de ovos sobre o corpo pelo macho e pela fêmea surgem fortemente associadas entre si, indicando estreitas relações entre estes dois modos de cuidado, embora as relações entre ambas as formas de transporte e os demais padrões de cuidados parentais não sejam, ainda, claras. 10. A gestação interna, sob a forma de ovoviviparidade e viviparidade, surgiu repetida e independentemente em linhagens distintas. Na maioria dos casos, a sua evolução parece ter-se dado a partir de formas sem cuidados, não sendo evidentes relações estreitas com quaisquer outros padrões de cuidado parental 11. Do conjunto das relações de derivação evolutiva propostas, sobressai claramente o facto de ser mais frequente, no plano filogenético, a mudança do sexo que cuida do que a alteração estrutural dos padrões de cuidado propriamente ditos. Assim, tanto no caso das guardas de ovos, como nos casos da guarda de ovos e larvas, das formas de incubação oral e das formas de transporte, observam-se mudanças muito mais frequente quanto ao sexo que cuida, do que transformações que conduzem de um tipo de cuidado a outro. 12. Os resultados deste trabalho apoiam a asserção de que cada padrão de cuidado tem que ser encarado como um complexo de traços comportamentais, anatómicos, bioenergéticos, fisiológicos e ontogénicos, em que os adultos de ambos os sexos, os ovos, embriões e juvenis, têm que ser tidos em conta, assim como o sistema de relações sociais em que a reprodução tem lugar. A transformação de um modo de reprodução noutro, ê condicionada pelas mudanças possíveis no quadro das restrições que cada complexo de traços reprodutores impõem. 13. Os resultados deste trabalho confirmam as conclusões de trabalhos anteriores no que se refere à predominância de cuidados masculinos relativamente aos femininos, nesta classe de vertebrados. Análise ecológica Quanto às comparações ecológicas, as principais conclusões são as seguintes: 1. Existe uma diferença significativa na proporção de cuidados femininos em função da latitude, sendo nas condições tropicais que se observa maior predomínio de cuidados masculinos. 2. Na comparação dos ambientes marinhos com os ambientes de água doce, sobressai uma diferença muito significativa na proporção de ocorrências de cuidados estendidos à fase larvar. Estes são relativamente frequentes em águas doces, enquanto nos ambientes marinhos sô se observam muito excepcionalmente, e mesmo quando existe cuidado com os ovos, as larvas desenvolvem-se, geralmente, em condições planctónicas. Considerações gerais 1, A consideração conjunta dos resultados filogenéticos e ecológicos, apoia o ponto de vista de que não se pode encarar as transformações evolutivas como o resultado de um determinismo ecológico estrito e mecânico. Pelo contrário, a origem de cada novo modo de reprodução ê mais facilmente interpretável se se considerar os condicionalismos impostos pelo modo de reprodução pré-existente e as diferentes linhas de mudança que torna possível. As condições ecológicas parecem poder, por seu turno, facilitar ou dificultar as diferentes transformações evolutivas possíveis, bem como condicionar as oportunidades de radiação e o sucesso relativo dos diferentes modos de reprodução. 2. O conjunto destes resultados, em particular a variação da proporção dos cuidados masculinos e femininos com a latitude, apoia a hipótese de que a predominância de cuidados masculinos nos peixes ósseos tem uma estreita relação com as particularidades da biologia reprodutiva em ambos os sexos. A existência de fertilização externa, de crescimento indeterminado, o aumento da fecundidade com o tamanho nas fêmeas e a possibilidade destas produzirem em baixas latitudes uma sucessão de posturas na mesma estação, parecem ser traços fundamentais para a compreensão da elevada incidência de cuidados masculinos neste taxon. Contrariamente ao que acontece em aves e mamíferos, os cuidados parentais só raramente envolvem, nos peixes ósseos, a alimentação das formas jovens. Assim, dentro de limites amplos, o esforço exigido pelos cuidados parentais não cresce de forma proporcional ao número de descendentes protegidos, tendendo a assumir valores unitários decrescentes à medida que o número de descendentes cuidados aumenta. Nestas condições, o esforço exigido pelos cuidados parentais, não difere muito radicalmente do esforço exigido pela defesa de um território de acasalamento. Se numa dada linhagem emergiu territorialidade masculina ligada à competição pelos locais de postura, ou com uma estratégia de simples redução de interferências múltiplas, os machos estarão pré-adaptados para a realização de cuidados parentais, em especial para a guarda de ovos. No plano etológico. trata-se de estender, com algumas modificações, os comportamentos de defesa do território, â defesa dos descendentes. Do mesmo modo, muitos comportamentos de limpeza dos ovos parecem derivar de comportamentos de preparação dos substratos de postura. No plano económico, os machos de peixes ósseos estão pré-adaptados para a guarda, já que, por um lado, os custos dos cuidados parentais não crescem de forma linear com o número de ovos, não existindo portanto antagonismo entre cuidar dos ovos já existentes e obter novas posturas. Por outro lado, o sucesso reprodutor dos machos de peixes ósseos não esta, em regra, limitado pela disponibilidade de esperma, que ê normalmente muito excedentário, mas pela disponibilidade de óvulos acessíveis a fertilização. Assim, as exigências energéticas impostas pelos cuidados parentais não parecem suficientemente importantes para restringir de forma significativa a fecundidade potencial dos machos. Para as fêmeas, pelo contrário, em baixas latitudes a fecundidade está estreitamente condicionada peia quantidade de alimentos ingeridos, tanto a longo prazo pela oportunidade de crescimento e consequente aumento de fecundidade futura, como a curto prazo pelas oportunidades de dispor de recursos materiais e energéticos para produzir novas massas de ovos. As exigências de tempo dedicado aos cuidados parentais fazer-se-ão, portanto, sentir de forma muito mais acentuada e negativa no sucesso reprodutor das fêmeas do que no dos machos. O carácter externo da fertilização, implica que ambos os sexos se encontram presentes quando os zigotos são emitidos, criando assim oportunidades para que em qualquer dos sexos possam emergir cuidados parentais. Pelo contrário, em grupos de animais com fertilização interna, as oportunidades de emergência de cuidados parentais masculinos estão restringidas, à partida, peia existência de um desfazamento entre os momentos de fertilização e de emissão dos descendentes. Os resultados do presente trabalho sugerem igualmente que, elementos de carácter epigâmico podem ter desempenhado um papel importante na evolução dos cuidados masculinos. As actividades de construção de ninhos podem ter derivado de movimentos inicialmente não orientados como coçar-se, alimentar-se no fundo, entre outros, que ao serem realizados pelo macho na área restrita do seu território, podem tornar o local mais conspícuo e mais atractivo para as fêmeas. O facto de em várias espécies se ter demonstrado experimentalmente que as fêmeas "preferem" desovar em locais que já contêm ovos, sugere um outro elemento epigâmico relevante para a evolução dos cuidados masculinos. Se numa espécie, a presença de ovos num local incrementa as probabilidades de serem colocados mais ovos no mesmo local, um macho que se deixe ficar num local que já contêm ovos pode atingir um maior número de fertilizações do que um macho que não permaneça no local de postura. Assim a preferência das fêmeas por desovar onde já há ovos pode alterar radicalmente a relação entre custos e benefícios dos comportamentos reprodutores dos machos, em favor da evolução de cuidados parentais masculinos. As presentes hipóteses, complementares entre si, parecem fornecer uma explicação mais adequada da origem dos cuidados masculinos nos peixes ósseos, do que outras hipóteses, nomeadamente as que se referem às diferenças de investimento entre sexos, ao grau de certeza de paternidade e às oportunidades de "deserção". 3. A raridade do cuidado com as larvas em ambientes marinhos, sugere que, em muitas circunstancias, o sucesso evolutivo de linhagens sem cuidados, que dispersam amplamente os seus descendentes, ê maior a longo prazo do que o das formas com fraca dispersão e protecção intensiva dos descendentes. Embora algumas das facetas da biologia reprodutiva dos peixes ósseos possam ser interpretadas de acordo com o modelo r/K, muitos outros aspectos não são adequadamente interpretáveis nesses termos, sendo peio contrário mais facilmente abordáveis em termos dos modelos estocásticos. 4. Finalmente, discute-se o problema das relações entre a evolução dos traços etológicos e a evolução dos demais caracteres dos organismos. O estudo da evolução dos mocos de reprodução nos peixes ósseos, mostra a estreita interdependência dos caracteres comportamentais e dos restantes traços que em conjunto participam no processo de reprodução. Conclui-se que a elevada labilidade dos traços comportamentais, pode fazer deles elementos susceptíveis de transformação evolutiva mais rápida, e portanto capazes de condicionar profundamente a evolução dos restantes caracteres. Aos argumentos habitualmente referidos na literatura, para tentar explicar a importância dos traços etológicas como determinantes da evolução de outros traços, parece relevante acrescentar dois aspectos evidenciados no presente estudo: a) Ao contrário dos caracteres morfológicos, os traços comportamentais não são "permanentes", podendo acumular-se facilmente no mesmo organismo os determinantes internos para um vasto reportório de traços, sem que o animal esteja sujeito permanentemente aos eventuais impactes negativos da sua presença; ao contrário do que acontece com as estruturas físicas, que não podem desaparecer quando são inconvenientes e impõem custos permanentes de manutenção. o) Os caracteres etológicos são particularmente fáceis de transferir de contexto, por pequenas modificações dos limiares de resposta dos seus determinantes fisiológicos, A facilidade com que, na evolução dos cuidados par erre ais nos peixes ósseos, padrões de comportamento que surgiram inicialmente em um sexo, emergem posteriormente no outro, fornece múltiplos exemplos desta condição.

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Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa

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Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa

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